Deve se considerar um gênio o publicitário que bolou o nome dessa nova marca de cerveja, a “Devassa”. O rótulo traz a imagem de uma “pin-up”. Mais direto impossível. Há muitos anos se associa o consumo de cerveja à convivência com mulheres espetaculares. “Já que é assim”, pensou o publicitário, “vamos escancarar a coisa de vez”.
Devo ser meio antiquado, mas acho esquisito sentar numa mesa de bar e dizer para o garçom: “Manda uma Devassa aí.” Que tipo de público faria isso sem constrangimento? Se for para apostar nas classes baixas –dada a obviedade da “mensagem”—não sei se “devassa” é o melhor termo. Para as parcelas mais cultas e irônicas do público, que provavelmente estão acostumadas a entender “devassa” mais como uma palavra a ser citada, em itálico, e não utilizada em sentido próprio, o truque pode parecer baixo demais. Num caso, o termo seria excessivamente rebuscado –por que não chamar a cerveja de “Gostosa”? Manda uma gostosa aí... Ficaria melhor, eu acho. No outro caso, o termo seria excessivamente cínico: sei que não é para valer a associação feita entre mulher e cerveja, e por isso mesmo, bem, vamos nessa, o negócio é devassidão mesmo...
Devassa, mulher devassa. O termo está um pouco entre “pecaminosa”, pelo moralismo, e “sacana”, pela aprovação. Poderia estar na fala de uma personagem de Nelson Rodrigues: ou uma senhora puritana (e aí o termo ironizaria um pouco o puritanismo dela) ou um debochado, um canalha, que confessasse de uma vez por todas o seu gosto: “quero mesmo é uma viúva bem devassa!”
A ilustração do rótulo, lembrando os anos 50, reforça essa ambiguidade. Mostra uma mulher “gostosa”, mas não uma passista de escola de samba totalmente liberada. É devassa, mas não tirou a roupa ainda.
O velho artifício publicitário (mulher=cerveja) se desnuda; a mulher, não; e a terminologia “antiquada” funciona como álibi para um crime que se confessa.
Fonte: Folha online